Transfigurações

 

Entre 2000 e 2006, durante vários carnavais sucessivos, fotografei os homens que se vestem de mulher durante o carnaval de Salvador.

Essa tradição carnavalesca popular no Brasil inteiro conta somente na cidade de Salvador cerca de seis a oito mil adeptos. São na maioria membros dos blocos ditos “de mulheres” ou “de travestidos” : As Muquiranas, As Kuviteiras, As Dondokas, As Vadias, As Gostosas, As Incabuladas, As Sapatonas… Outros frequentam o tradicional Baile dos Artistas, se inscrevem no Concurso Gay de Fantasias ou desfilam nos Mascarados, bloco que congrega os GLS (gays, lésbicas e simpatizantes), os artistas e a boemia intelectual. De maneira mais espontânea, numerosos adeptos da tradicional trindade “cerveja-futebol-carnaval” saem em pequenos grupos de travestidos, entre o Pelourinho e a praça Castro Alves, em aparente e precária harmonia com os autênticos travestis procedentes do interior da Bahia, de todos os cantos do Brasil e até mesmo da Europa… O carnaval é provavelmente o único momento do ano quando é possível a convivência entre grupos com motivações tão diversas.

Meu objetivo não era documentar tal tradição. Foram assim propositalmente abolidas todas as informações suscetíveis de catalogar as pessoas fotografadas, inclusive as etiquetas que os foliões utilizam para se diferenciar entre si (travestidos, transformistas, drag queens, travestis…).

A escolha do título se refere ao episódio do Novo Testamento em que Jesus conduz Pedro, Tiago e seu irmão João ao alto de uma montanha e lá se transfigura diante deles. “O seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes tornaram-se alvas como a luz”, relata Mateus (XVII,2); “Suas vestes tornaram-se resplandecentes, extremamente brancas, de uma alvura tal como nenhum lavadeiro na terra as poderia alvejar” (Marcos, IX,3).

A fotografia seria capaz de revelar essa imagem escondida atrás das aparências? O mistério permanece intacto.


Lucia Guanaes